De vez em quando, chegava uma encomenda vinda de Lisboa. Os olhos brilhavam e no peito crescia uma frenética vontade de a abrir e descobrir o que vinha lá dentro. Normalmente eram frasquinhos
pequeninos de perfume, caixinhas redondas com um pó avermelhado, colares e outras quinquilharias com cheiro de cidade.
Mas daquela vez, lá no fundo de tudo, estava uma boneca lindíssima de cabelos cor de ferrugem e olhos verdes. O que senti, foi um misto de emoções indizíveis. Lembro-me que naquele dia, o meu corpo foi pequeno demais para mim, visto que quase não me cabia... de tamanho
contentamento!

Este texto foi escrito para o concurso "imagens da nossa memória, do site EscritArtes. (Só eram permitidos 600 caracteres).


São imagens esbatidas, meio apagadas,
como aquelas fotografias antigas e
enclausuradas em molduras de metal como
se fossem grades de uma prisão perpétua.
Ainda assim, conseguem manter a pose
permanecendo orgulhosamente silenciosas
e indiferentes ao relógio de pêndulo que
as fita num desdém insolente lá do canto
oposto da sala e cujos ponteiros há muito
que passaram a rodar no sentido contrário,
marcando as horas que já foram... são
rostos calados, com sorrisos forçados pela
urgência do momento, segurando
insistentemente um instante que as havia
de suspender no tempo, devolvendo-as à
posteridade



Deveria ser Dezembro, não sei ao certo. Mal pus o pé na rua o meu rosto encheu-se de espanto... nunca tal tinha visto! A rua estava toda vestida de branco, parecia que alguém a tinha polvilhado de açúcar. Tinha nevado na minha aldeia, coisa rara de se ver por aquelas bandas, pois que nos meus quatro anos de vida era a primeira vez que acontecia tamanha fortuna para deleite dos meus pequenos olhos tomados pelo encanto daquele instante tão emocionante e belo, que guardo até hoje na prateleira mais valiosa da minha memória.

Foto de Cleo (impulsos)
Ao entardecer, ainda o sol se não tinha escondido, já a lua subia por cima do monte frio, decidida e segura da sua arrasadora beleza, encantadoramente brilhante e redonda, poderosamente capaz de atrair sobre si os olhos de quem gosta e sabe apreciar a magia que a mãe natureza oferece em cada novo dia que nasce. Era assim naquele tempo já tão distante e continua a ser hoje, no momento em que vos escrevo acerca da fortuna que ganhei há duas semanas atrás, no mesmo sítio de outrora. O tempo passa, mas os lugares, as memórias e as sensações... ficam.
Basta olhar, admirar e sentir!


Primeiro texto original (já aqui estão outros do mesmo conjunto, entretanto alterados de modo a ficarem mais enriquecidos) de um conjunto de 44 que aqui irei publicar e que fazem parte de um concurso do site Escritartes, para o qual os escrevi propositadamente mas cujo número de caracteres exigido não poderia ultrapassar os 600. Daí a prosa simples e resumida.

Foto de Cleo (impulsos)
Munidos de pás e picaretas quase do nosso tamanho, lá fomos direitinhos ao pinhal em busca de um penedo jeitoso para dar início à descoberta do nosso tesouro que a minha avó, que não mentia, me havia garantido existir por debaixo de um penedo(todos tinham tesouros) um tesouro ali escondido pelos Mouros antes de partirem, tal como está registado nos livros de História, que o nosso país foi conquistado aos Mouros. Por isso, só tínhamos que escavar!
Foram dias seguidos de trabalho árduo até nos rendermos ao cansaço, sem conseguir-mos sequer fazer abanar o penedo...

Foto de Cleo (impulsos)
Janela para o passado do desconhecido.
Que fantasmas habitarão no interior das paredes que se apagaram das memórias?
Coisas que só os mortos sabem...


A inquietação da alma perante um torvelinho de sentimentos que levam o cérebro a um estado de torpor tal, que, enlouquecido pela obsessão de outrem com quem se deseja estar a todo o instante, aniquila qualquer outro pensamento que não aquele com que sempre se deita e levanta. Ou seja, o objecto do seu desejo!


A pequenez das pessoas é, quase sempre, proporcional à grandeza da sua pobreza de espírito...


Algures, num qualquer dia assinalado numa folha de calendário antigo, perdido num qualquer canto escuro de uma casa abandonada mas onde perduram as memórias.
Um homem caminha com uma pequena pela mão. A poeira entra-lhes pelos sapatos e tinge-lhes de castanho as meias brancas de sair. Ainda faltam uns bons pares de km até chegar à vila. É preciso apressar o passo, pois o especialista de Coimbra não costuma esperar por ninguém...
- Pai, ainda falta muito? - Pergunta a pequena já cansada.
- Não. Não vês que já andamos a maior parte? Daqui até lá é um salto! - Responde-lhe o pai tentando apaziguar-lhe o desânimo.


Um encontro marcado de véspera, na cumplicidade silenciosa de uma conversa dos tempos de agora, algures entre o pensamento e a agilidade das pontas dos dedos. O aproximar da hora, a indecisão no vestir, o espelho inquisidor... A inquietação a tomar forma, a agigantar-se e a querer explodir de dentro para fora, a vontade furiosa a cegar na urgência quase demente... do desejo do querer. A razão a endoidecer! A ansiedade a doer na eternidade de um instante em suspenso na ambiguidade de um acontecer...


A beleza, está algures entre os nossos olhos e a minucidade com que se observam os pequenos pormenores das coisas.



Quanto mais se acumulam os anos no sótão das minhas memórias,
mais antigos se tornam os do futuro.
Gosto de reviver os que já passaram, fazendo com que, deste modo, não sinta grandes saudades dos que ainda não vieram. Talvez venham, talvez nem venham...




Todos os dias são vésperas de outros dias.
Todos os dias, a seguir aos dias das vésperas, serão os dias seguintes. O depois de...
Por isso, todos os dias serão sempre importantes vésperas de alguma coisa.

Na véspera de nós,
costumava convidar o silêncio para a minha companhia.
Depois, bebíamos os dois em segredo um cálice de ânsias ...




Por aqui, no lugar onde o tempo parou, a solidão é uma forma penosa de desfiar sentimentos e mastigar silêncios bem devagar porque o vagar é coisa que também não falta.
A culpa é do tempo, que levou os outros, cada um a seu tempo e deixou tempo de sobra e gente de menos aos demais.
No ar, paira um indizível e inexplicável espectro de morte...
Entretanto, procura-se nas gavetas da memória, por pequenos pedaços de outrora que se possam trazer de volta para matar o malvado do tempo que falta, até serem horas de alguma coisa...



O tempo é como um constante desalinho de gotículas invisíveis que se desvanecem a cada abrir e fechar de olhos...



Guardo em mim todo o conhecimento, as memórias, o saber, as fantasias...
Posso ser uma fonte de sabedoria, prazer e até conforto da alma, para quem de mim se queira tornar um amigo.



Eu sou o eco do que fui, o sufoco do choro que chorei, eu sou sal que derramo e marca trilhos profundos na minha face, eu quem sou?, nem eu sei, sou uma aragem que passa e nada deixa de lembrança, serei a partida sem despedida, então serei a lembrança porque parti.

Comentário profundo feito por alguém anónimo a um dos meus posts no impulsos... e que achei demasiado belo para ser votado ao abandono do esquecimento numa qualquer gaveta virtual.



... seremos sempre marionetas, guiadas pelas mãos do nosso próprio destino.
E ainda assim, assistimos embevecidas ao nosso próprio jogo, sendo peças de xadrez, que vão tombando uma a uma, no enfeitiçado ladrilho de um tabuleiro manhoso...



Ela pegou no telemóvel, esboçou um leve sorriso matreiro e escreveu uma mensagem curta:
- Vai um cafézinho?
Enviou-a e voltou a pousar o telemóvel na mesinha de cabeceira...